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O amor não (se) aprende.

Não é coisa para ser medido.

Nem ideia para abstrair platonices.

Amor é o que deixei de ser,

de saber de mim,

dos bons planos,

dos antigos desejos,

depois que te vi.

Nada conclui, tudo muda.

Vendia livros, pinceis, lápis e folhas

e contava os dias para a Pin-da-mo-nhan-ga-ba,

destino com nome grande,

do tamanho da certeza.

Tudo entre as margens, 

o rumo certo para o que viria,

seminário, estudos, vocação.

Meu mundo arranjado,

a véspera e o dia seguinte.

Então você chegou com uma força delicada,

a voz despretensiosa e tão suave e tão menina e tão outra,

passos lentos de quem tem pressa de não tropeçar,

olhos amendoados e cheios 

de caminhos que nunca vi

e sempre quis.

Eu te olhei para não mais saber de mim,

você veio como a onda do mar,

que derrete suave e irresistível o castelo do menino,

e nem adianta se queixar.

Desaprendizagem é o nome do amor.

nem substantivo faz, 

adverbia o inesperado.

Adjunta o provisório, 

um nervoso entretanto.

Não cabe sequer na frase,

entredito, 

desconcertante, 

tumultua.

Você era o que eu não vinha dizendo,

mas queria tanto.

Sobre o que falamos ali? 

Nem lembro nem nunca importou.

Sentados no banquinho do Conjunto Nacional,

o dito estava nos olhos, 

não nas palavras.

Conhecê-la condenou-me a seguir obstante,

de juízos suspensos.

Indomável adversativo é o amor.

Porém, 

não sentença.

Amar nada responde, 

é a próxima pergunta.

Uma dúvida cada vez maior.

A convicção é desacompanhada, 

solitária calmaria,

tédio absoluto e sereno,

de tão segura.

Que pena de quem por ela se deixa persuadir!

Porque se solidão é fechamento 

tranquilo,

a abertura que a tudo perturba é casamento.

Na noite quente de Sobradinho,

quase quatros anos depois daquele dia,

nos vinte e cinco dias do mês de julho do ano de mil e novecentos e noventa e dois.

Um segundo antes da eternidade,

os meus olhos se desencontraram

de tudo,

de todos,

se perderam nos seus,

você ainda desfilava,

toda noiva,

o tempo e os rostos congelaram

no incontável tempo do amor,

Casamos ali, 

entre quânticos parêntesis, 

entre o desejo e o aceite,

entre a imagem e a palavra.

Casaram-se os olhares antes de tudo.

O acontecimento antes do evento.

O gozo antes do gozo.

Perdoem-me as núpcias.

Por que você sabia que nos seus olhos eu me perdia?

Chorava sem saber o que fazer com tanta boniteza.

Por que eu sabia o que diziam os seus olhos?

Seus passos se descompassaram,

sôfregos,

pareciam com pressa de te deitarem em mim.

Tudo seria calma, paz além da conta,

Conversa com espelhos, 

lúgubre límpida loucura.

Sanidade é outra coisa,

é a angústia de falar

 e você ouvir meus olhos.

De apontar o caminho 

e você ver o dedo que treme.

De você dizer vamos

e eu saber que quer ficar.

Casar também não é caminho, 

é todavia,

o caminho dos descaminhos.

Família nada tem a ver com o amor,

mas com os amores,

a perder a conta,

a cabeça

e o que restou de bobeira e paz.

Vários, 

atravessados, 

misturados.

E tudo fica tanto que nada mais importa.

O amor não soma, 

multiplica e esparrama.

Cinco? Em uma casa? Uma multidão.

A Bete, o Elienai, a Clara, a Gabriela e o Thales.

E antes que esqueça do peludo, o Hug.

Nunca fomos pontos alinhados e estimáveis,

mas linhas 

entrecruzadas no imponderável 

tecido da vida.

Cada um do seu viés conecta-se ao outro,

e cada dupla aos demais,

e cada trio aos que restam,

o quádruplo ou o quíntuplo

se fia ao que ficou só,

indo e voltando,

infinito emaranhado,

de fios,

de fiança,

a rede em que deitamos medos

e alegrias,

em que descansamos desejos

 e perdas,

onde embalamos desesperos,

até que cochilem as dores.

Família boa é feita de nós.

O amor nunca chega, 

é sempre partida,

despedida sem fim.

O amor é por onde se peregrina,

incurável aprendiz.

E aqui, agora, vinte e cinco anos depois,

tantos lapsos após,

a um instante de tanto,

prometo continuar

despedindo-me

do que teimoso achar que sei.

Aceito seguir

desaprendendo

o que por distração concluir.

E te convido a assumir o compromisso mais solene desse amor,

de ouvir

 os meus olhos,

não o que eu digo

e perder-se

das sentenças e seus ressentimentos.

De nunca deixar de nos reinventar

nas ardentes entrelinhas,

onde as palavras pouco dizem,

mas afetam o tom, 

o timbre

e a imaginação.

E o olhar arrepia a pele antes de ser tocada,

e amada 

dilata os poros e a pupila,

 o senso e o sexo.

Ali nas entrelinhas é que tecemos nossos amores,

onde a incerteza abre os braços 

outrora tímidos 

ou fadigados

e acolhe fraquezas,

abriga anseios

e não para de insinuar,

de fazer sonhar

e de fermentar gostos e gozos

e todos os outros amores que ainda chegarão

e graciosamente perdidos, 

se fizerem nós.