Há um limite para a convivência das expectativas da multidão e a linguagem lúdica de um sonhador. Pode se manter muita gente por perto, bastante tempo, contando histórias. Respondendo com novas e escorregadias perguntas, distraindo com meias palavras, usando as mesmas figuras para indicar outras imagens. O Reino de Deus, invisível. Fermento para o bolo. Um grão de mostarda. A luz no candeeiro. O sal. Um casamento surpreendente. Outra coisa com as mesmas palavras. Parábolas que postergam os julgamentos, que iludem a ilusão (Kierkegaard).
Mas há um ponto de fervura em toda esperança adiada. Um prazo estreito para o encantamento popular, quando a violência adormecida de todos acorda. Parece que é o que está acontecendo. Ninguém pede mais sinais. Nenhuma nova pergunta é feita e sequer mais uma história é tolerada. Antes, cercado por demandas, agora, rodeado por suspeitas.
Se o apetite por poder não é saciado, aquele que a todos distraiu, de quem nunca se deixou de esperar a mais vulgar e velada satisfação, deve ser consumido nas aspirações desapontadas da turba. Se Jesus não é o Cristo que se reivindica, Barrabás.
Um ídolo não tem o direito de não ser.
Não dá para não trair alguém que tinha tudo para ser o que todos esperavam. Não dá para não repudiar aquele com quem se decepcionou nas mais doces fantasias. Não dá para não condenar aquele que não consentiu com mais uma ilusão.
Um ídolo não tem o direito de se mover.
Todo líder é constituído em um jogo erótico. E toda intriga é uma pornografia. Ninguém toca no assunto, mas todos esperam secretamente que ele seja o que ninguém consegue ser. Este é o segredo que excita os ajuntamentos. Mas, se alguém acende a luz e frustra o fetiche coletivo, retomam-se as sombras, agora para destruir. Odeia-se quem não se deixou amar com máscara. Este é o segredo que perpetua as taras para os próximos ajuntamentos.
Por isso o insinuante beijo de Judas virá. Estalará como um tapa, cheio de um estranho sadismo. A primeira e mais ardida bofetada que o Filho do homem terá recebido.
As palavras de Jesus estão gastas. O prazo se esgotou. Tudo o que diz, desde então nada fala. As multidões atraídas por ele, agora o repelem. Resta o lugar de poucos, o espaço dos amigos. Quem sabe? Jesus se faz anfitrião e põe a mesa. Oferece pão, ainda que ninguém aparente chegar à saciedade. Enche as taças, que insistem em parecer vazias. Cheios estão os corações, mas de diabos. Sente-se sozinho também em casa.
O limite das palavras é um convite para os gestos de amor.
As palavras, amordaçadas, descobrem que o amor se expressa a despeito delas. Silenciosamente, Jesus encena o último sermão antes da cruz. Despe-se da capa para ocupar o lugar discretíssimo do servo. O mestre lava os pés dos discípulos. As mãos de um Deus calado conversam com os pés trôpegos da humanidade.
Nunca se olhou tanto para baixo como no dia em que Deus ficou de cócoras. Quem quisesse olhar para o céu a procura de Deus teria que vê-lo refletido nas águas turvas da bacia sobre o chão. E os pés sujos e vacilantes da humanidade, finalmente, imersos no céu gracioso de Deus.
Por um instante, vendo-o prostrado, alguém entre os discípulos, muito constrangido, se lembrou do que ouviu do próprio Jesus. Que um diabo, em um deserto, tentou fazê-lo se prostrar por poder e fama e ele recusou. Assustado, chegou a pensar: não se prostrou diante da fama para ser ouvido, mas se curvou diante de pessoas para amar… E teve medo do futuro. Do que teria que fazer com todos os seus planos.
Elienai Cabral Junior
40 comentários
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13/07/2010 às 9:31 pm
Paulo Brabo
Devastador.
13/07/2010 às 11:12 pm
Márcio Rosa
Elienai, esse seu texto é brilhante!
Obrigado, cara. Orgulho de ser seu colega.
Abraços,
Márcio Rosa
14/07/2010 às 12:15 am
Alan Brizotti
Magistral!
14/07/2010 às 6:53 am
Cristina Mesquita
E no lugar os amigos são poucos. São pouquinhos mesmo comparando com a multidão extasiada que o esgota em Amor Amor Amor. . .
Nucleo duro, intimidade.
É disso que se trata!!
14/07/2010 às 10:01 am
Marcelo Carahyba
Arrepiante.
14/07/2010 às 12:38 pm
marcio cardoso
Numa multidão os gestos passam batidos; uma boa espiritualidade passa por amigos que se toleram (e são poucos!).
14/07/2010 às 1:34 pm
Carlos Bezerra
Quebrou geral Elienai!!! ALoha!! Deus seja sempre contigo parceiro!
14/07/2010 às 2:21 pm
Paulo Brabo
Como eu disse outro dia ao Ricardo, sobre Varillon: alguns textos são tão divinamente humanos, tão implacavelmente lúcidos, que depois de submetido à leitura deles a perspectiva de eu mesmo parar de escrever parece não só representar a única alternativa, mas avolumar-se como verdadeira missão.
Você me paga.
14/07/2010 às 4:33 pm
Wendel Cavalcante
Elienai,
Na medida em que ia lendo o seu texto passava o filme de umas semanas atrás aqui na minha cabeça!
Como é duro e amargo perceber que “o insinuante beijo de Judas virá. Estalará como um tapa, cheio de um estranho sadismo”. E já veio!
Como reagir a tudo isso?
Lembrei agora de uma dica sua: “Judas desistiu da vida. Pedro, não”!
É…
“O espaço de poucos” está cada vez mais raro!
Obrigado pelo belo texto!
Abração!
14/07/2010 às 10:50 pm
Rodrigo Melo
Achei muito bom esse texto… maravilhoso!!
Parabéns, por nos colocar no cenário e nos fazer olhar para a bacia…
14/07/2010 às 11:09 pm
Leny Brito
Ola Elienai.
Vale a pena esperar por um texto seu! rsrs
Muito linda a sua forma de expressar esse Deus “… que se curvou diante de pessoas para amar.”
Obrigada por repartir conosco.
Abraços
14/07/2010 às 11:09 pm
Suênio
Ponto final.
15/07/2010 às 10:07 am
Junior Salvador
FAntastico!
15/07/2010 às 11:35 am
Meire
“Todo líder é constituído em um jogo erótico. E toda intriga é uma pornografia”…
Interessante…pq será que esses assuntos também são repelidos e deixados pra se tratar sempre num outro momento? Abstrações de uma louca….
Elienai….. seu texto???
Uma navalha…aliás, preciso como um bisturi!
Parabéns!
15/07/2010 às 1:11 pm
bill
“…não se prostrou diante da fama para ser ouvido, mas se curvou diante de pessoas para amar… E teve medo do futuro.”
maravilhoso!
16/07/2010 às 8:02 am
O fim dos sermões | PavaBlog
[…] fonte: Elienai Jr. […]
16/07/2010 às 8:23 am
prjulio
Elienai,
Você fala bem e bonito. Admiro o seu expressar.
Acho que seus escritos ficariam bem melhor se você passasse um tempo numa missão impossível.
16/07/2010 às 9:09 am
Lyncoln Napoleão
Muito bom, uma bomba!!!
16/07/2010 às 10:19 pm
paulo
Elienai,
Mandaste bem. O último parágrafo é antológico! Me desestabilizou, assim como o discípulo.
17/07/2010 às 11:24 am
Eduardo Brasil
Elienai,
Fico ansioso pela publicação de cada novo texto seu.
A forma humana de interpretar as intrigantes passagens bíblicas põe a todos num mesmo patamar de rendimento. Nesse ponto, alguns entendem perfeitamente a simplicidade da mensagem de Jesus, outros preferem relutar.
Saudades!!!
17/07/2010 às 11:31 am
Eduardo Brasil
Agora parece claro como nunca, a cerimônia do “lava pés” tornou possível que meu caminhar errante pudesse ao menos ter uma chance com um Deus tão grandioso.
19/07/2010 às 11:24 am
marinalvado Nascimento
Que texto interessante porque retratou um das marcas mais forte na Pessoa de Jesus Cristo o Ser servo! que aprendamos com ele essa lição, e tenhamos coragem de repelir a sedução do poder. Parabens!
19/07/2010 às 7:10 pm
Josué Oliveira
Que pérola preciosa podemos catar por aki, meu camarada!
Parabéns!
20/07/2010 às 7:14 pm
Luciane Helena
“não se prostrou diante da fama para ser ouvido, mas se curvou diante de pessoas para amar”
Pastor querido
A escolha certa para se prostrar… Motivo: amor por vidas secas!!!!!
Pastor, Amo ler seus textos……
25/07/2010 às 5:23 pm
Texto do Elienai Júnior « Inquietações de um aprendiz
[…] julho, 2010 in Uncategorized Quem ainda não leu o texto “O fim dos sermões” do Elienai Júnior, faça um favor a si mesmo e […]
26/07/2010 às 10:18 pm
rubens osorio
Agora sei o significado de “speechless”…
27/07/2010 às 2:41 am
Paulo
Estarrecedor…
como um soco no estômago nos faz procurar mais ar…
Palavras contundentes…
Relevantes por sí só.
28/07/2010 às 10:41 pm
yamara chaves
.Impactante.
Como queira expressar o ultimo sermão. Como um vivo impacto aos últimos que lhe dão crédito. Por algum tempo talvez não sei a agua na bacia clareou com alguma lágrima diante da inoperância dos seus servos. Há que dia, se entenderam naquele momento o significado que hoje custamos realmente entender. Que sermão! Maravilhoso.
07/08/2010 às 4:22 pm
eduardo
Vc se transportou para aquele momento e lah mergu
lhou fundo nas palavras de Jesus. Parabens!
08/08/2010 às 12:32 pm
Roger
Furchtbar! (Se não fosse o alemão acho que ficaria tembém sem palavras…)
12/08/2010 às 8:49 pm
Djalmir
O léxico do Logos é o silêncio.
24/08/2010 às 6:52 pm
toninho ager
todos os seus amigos sabem,como eu, que perolas fluem naturalmente do seu pulpito, pelo menos duas vezes por semana e até muito maiores do que esta e melhores .
se eu fosse um pouco mais egoista do que real mente sou lhe oediria
,não tire férias nunca, mas mas em consideração a rainha elizabety e seus principes e princesas, edito alto e bom som:
felizes somos nós, temos ao menos as migalhas.
estamos muito obrigados a permanecer com os pés sendo limpos todos os benditos dias na sua conpanhia.
toninho ager
17/09/2010 às 4:16 pm
MaTeus Octávio
Cara, vc é bom viu, transpareçe bem o que quer pregar
em manuscritos. Parabens muito bom.
27/10/2010 às 8:17 pm
da silva -fortaleza
valeu muito bom , obrigado
20/11/2010 às 3:15 pm
Ezequias Franesi
Ola meu nobre escritor pastor Elienai!!!
Amigo ibadiano, o vejo como a voz que clama em um deserto fertil e o mesmo tempo escaso e sedento. Faz chover agua viva e florecera o lirio que exalara o perfume do sacrificio que foi aceito por Deus. Um grande abraco!!!
23/11/2010 às 4:57 pm
LEONARDO COSTA
Pastor Elienai, quanta saudade….gostei do tema…Quando viráa Fortaleza?
21/01/2011 às 5:58 pm
O FIM DOS SERMÕES « "A Casa Sobre A Rocha" (Mt5:24).
[…] VIA ELIENAI JR. […]
21/01/2011 às 6:04 pm
José Eduardo Glaeser
MUITO LEGAL ESSE TEXTO!
“O limite das palavras é um convite para os gestos de amor.
As palavras, amordaçadas, descobrem que o amor se expressa a despeito delas. Silenciosamente, Jesus encena o último sermão antes da cruz. Despe-se da capa para ocupar o lugar discretíssimo do servo. O mestre lava os pés dos discípulos. As mãos de um Deus calado conversam com os pés trôpegos da humanidade.”
Eu Curto seus textos porque minha fé é tambem baseada no AMOR!
Visite meu blog tambem!
Abração!
BOM FIM DE SEMANA!
SHALOM!
19/02/2011 às 8:54 pm
josé marques
O TÍTULO ME SUGERIU QUE FOSSE LER ALGO ASSIM : NAS IGREJAS ,HOJE, NÃO SE EXPLICAM O TEXTO BIBLICO, SE LEEM A BIBLIA , COMO PANO DE FUNDO PARA MENSAGENS DE HOMENS , DEPOIS SE CANTA ,E, FAZEM PEQUENAS ORAÇÕES,SIM,SE FALA DA SUBESISTENCIA DA INSTITUIÇÃO.
A BIBLIA CITA CULTOS ,ONDE O MESTRE LE AS ESCRITURAS (QUE NÃO ERA O NOVO TESTAMENTO) ,EXPLICAM-NA , CANTAM SALMOS ,E,OUTROS CANTICOS , ORAM E SAEM ,CADA UM PRA SUA VIDA ,PREGANDO COM SUAS PROPRIAS VIDAS . HOJE ,SOMOS CRENTINHOS NA HORA DO CULTO ,MAS , NA VIDA ,
” AH MEU IRMÃO DAÍ TENHO QUE GANHAR O PÃO NÉ”
ISTO IRÁ JUSTIFICAR UMA VIDA ARRASANDO A VIDA DOS OUTROS.
MAS O TEXTO NÃO FALOU SOBRE ESTAS COISAS . FAZER O QUE NÉ ?
13/04/2012 às 8:56 pm
raelvidar
Incrível! fiquei sem palavras.
obrigado!